Histórias de Moradores de Interlagos

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores do bairro de Interlagos.


História do Morador: Wanderley Aparecido da Silva
Local: São Paulo
Ano: 30/09/2014



 



Vídeo: Arrimo de família



Sinopse:

Wanderley é um microempresário que começou a trabalhar muito cedo. Aos 11 anos já trabalhava como ajudante nas feiras-livres de São Paulo para ajudar no sustento da família. Em seu depoimento ao Museu da Pessoa, Wanderley conta sobre a origem de sua família e o trabalho do pai como administrador de fazendas no Paraná. Fala sobre as brincadeiras de infância e as dificuldades que passaram quando migraram para São Paulo. Descreve sua trajetória no Banco Auxiliar, onde começou a trabalhar como office boy e terminou como tesoureiro. Com tristeza relembra a morte do pai e como teve que assumir o sustento da família por ser o filho mais velho. Fala sobre o emprego na empresa Sodexo e do filho, Gabriel. Por fim, Wanderley relata a satisfação em doar para o Projeto Criança Esperança.

História

Meu nome é Wanderley Aparecido da Silva. Eu nasci no Paraná, na cidade de Cianorte em 16 de junho de 1966. Meu pai se chamava Arlindo Jerônimo da Silva. Ele nasceu em Palmital, São Paulo no ano de 1927, no dia 17 de agosto. Minha mãe se chama Maria Zaragoza da Silva. Ela nasceu em São João do Caiuá no interior de São Paulo em 30 de junho de 1933. Minha mãe sempre foi do lar. Meu pai trabalhou muitos anos na lavoura, também foi comerciante e foi administrador de fazenda lá no Paraná. Cultivou café. Foi um dos primeiros agricultores de soja aqui no Brasil. Plantava trigo, arroz, feijão, milho, muitas culturas. Ele administrava a fazenda. Era uma fazenda que tinha lá o proprietário e contratou o meu pai pra formar a lavoura de café e as outras lavouras. Antes desse período da fazenda, ele tinha um restaurante na cidade de Cornélio Procópio. Nós somos dez irmãos, todos vivos, todos saudáveis, a família bastante grande. Até a idade de sete anos, seis pra sete anos nós morávamos na roça, na fazenda. Meu pai acabou perdendo o emprego lá na roça e ele tentou comprar um sítio em Mato Grosso.

Infelizmente ele foi enganado, terra grilada, acabou perdendo tudo, todas as economias que ele tinha. Acabou optando por vir para São Paulo, porque ele dizia que tinha que dar estudos para os filhos. Queria que os filhos estudassem e não tivessem a dificuldade que ele tinha de ler e escrever, embora ele fosse uma pessoa que tinha uma caligrafia muito bonita. E nós viemos pra São Paulo. Lá na roça as brincadeiras eram ao ar livre, muito espaço, muita diversão e coisas daquele tempo. Eu gostava de andar no café, armar arapuca, jogar bola com os meus irmãos, brincar de esconde-esconde, brincar de casinha com as minhas irmãs. Era a diversão nossa. Depois nós mudamos aqui pra São Paulo, passamos uma série de dificuldades. Nunca passamos fome, mas tivemos sim à beira disso. O dinheiro era pouco, casa alugada, a família grande, todos muito pequenos, então era uma situação bastante difícil, mesmo assim a gente se divertia entre nós. Como éramos muitos, a gente brincava no quintal jogando bola, soltando pipa, sempre tivemos um cachorro em casa, era nossa diversão. Na escola, ia pra escola, tinha as brincadeiras, as queimadas, brincando de queimada, de futebol, de vôlei.

Nós fomos morar em Interlagos, numa casa alugada porque minha irmã mais velha já morava aqui. Ela se casou e veio embora pra São Paulo uns dois ou três anos antes. Quando aconteceu isso, meu pai veio uns dois ou três meses antes e alugou a casa aqui, então já tinha o lugar pra gente vir morar. Fomos morar nessa casa que era, vamos dizer, nem a metade da casa onde a gente morava na roça. Nós começamos a enfrentar as dificuldades. Foram três anos nesta casa com apenas dois quartos. Então tinha gente dormindo na sala, no corredor, todos os lugares da casa tinha criança dormindo. Depois dessa casa nós mudamos pra outra casa na mesma região, próxima. Ficamos lá por nove anos. Meu pai veio trabalhar em metalúrgica. Foi operar máquina mesmo, mesmo sem ter experiência nem nada. Ele trabalhou em umas duas ou três empresas aqui, por último ele trabalhou na empresa Metal Leve como operador de máquina, metalúrgico, não fez nada especial.

Lá na fazenda tinha uma escolinha. Nós começamos a frequentar a escola eu, a minha irmã Rose e a Cleonice. Nós três já frequentávamos a escola lá. Quando eu cheguei a São Paulo eu já sabia ler e escrever, embora ainda não tivesse os sete anos completos, mas naquele tempo não tinha a necessidade da pré-escola e eu já sabia ler e escrever. Foi um terror pra eu entrar numa sala de aula aqui, os alunos aprendendo as vogais, as consoantes e eu já sabia ler e escrever. Eu sempre quis ser um educador. No início eu queria ser agrônomo porque eu gostava e gosto muito de roça, de plantação. Eu gosto dessas coisas, mas nem tudo que a gente quer nessa vida a gente pode. Então a gente tem que levar a coisa de acordo com o que a gente tem condição. Com 14 anos de idade, 15 anos, aliás, eu entrei pra trabalhar em um banco como office boy e desde então me dediquei a aprender as rotinas de administração de empresa, rotinas de departamento financeiro. Dediquei-me a isso, tanto é que hoje eu sou um administrador de empresas, mas por gosto, por vontade eu seria sim um agrônomo. Gostaria de ter estudado um pouco mais, não tive condições financeiras pra arcar com meus estudos. Eu queria muito dar aulas porque eu considero assim, se eu adquiri um conhecimento, a melhor coisa que eu faço com esse conhecimento é passar pra alguém pra que esse alguém dê continuidade a isso.

Uma coisa que tenha ficado na lembrança até hoje. Colocaram-me pra trabalhar. Com dez pra 11 anos de idade eu fui trabalhar na feira. Tinha um vizinho nosso que era feirante, vendia banana, e um dia chegou uma reclamação em casa de outra vizinha que tinha me visto jogando pedra na casa dela. Não me lembro do fato, mas se ela falou eu devo ter feito. Essa feirante estava com a minha mãe e pediu autorização pra minha mãe pra deixar que eu fosse trabalhar com ela.

Trabalho duro. Embora fosse criança era trabalho de um adulto. Tinha que descarregar o caminhão, ajudar a montar a barraca, fazer as vendas, dar troco, mexer com dinheiro do caixa. Depois desmonta a barraca, carrega caminhão, é trabalho duro, pesado. Podia estar frio, podia estar sol, chovendo, era rua de asfalto, rua de barro, não tinha perdão, não, porque era criança. Era igual a qualquer outro. Esse dinheiro nem chegava às minhas mãos. Eu trabalhava, a vizinha que era a minha patroa pagava direto pra minha mãe. Eu entrei no curso de datilografia, fui fazer a datilografia e a professora lá da datilografia pegava alguns alunos e indicava pra conhecidos dela pra empregar. Ela me indicou pra ser office boy no Banco Auxiliar, extinto Banco Auxiliar. Em abril de 1981 eu consegui essa vaga no Banco Auxiliar pra ser office boy. Só que tinha uma coisa, eu mal conhecia o meu bairro, imagina ser office boy em São Paulo! Quando eu terminei o curso de datilografia ela me indicou pro banco.

Quando meu pai faleceu, vítima de câncer em 1984, tive que assumir outras responsabilidades, minha mãe ficou em casa com um monte de criança, não tinha mais o salário do meu pai e eu precisava ajudar. Veio a indenização dos direitos trabalhistas do meu pai, seguro de vida. Eu moleque, 17 anos, minha mãe chegou e falou: “Toma” me entregou o cheque na mão, falou “Vê o que você faz”. Eu fui pedir orientação aos meus gerentes lá do banco. O dinheiro ficou aplicado no banco por 90 dias mais ou menos, achamos a casa que é onde a minha mãe mora até hoje, o dinheiro era suficiente pra comprar a casa, pra comprar uma máquina de lavar roupa que a minha mãe não tinha e dar uma arrumadinha na casa.

Eu não me conformava em não ter terminado o colegial. Eu acho que foi em 87 voltei pro colegial, fiz o colegial e eu queria a faculdade. Prestei vestibular em três faculdades na época, fui estudar na FMU, fazer Ciências Contábeis. Eu já tinha saído do banco nessa época, eu tava trabalhando numa empresa de refeição industrial. É uma multinacional francesa que hoje tem os cartões Sodexo. Então eu trabalhei nessa empresa, no Departamento financeiro da empresa. Ganhei uma promoção de sair do departamento financeiro e ir administrar uma unidade, um restaurante industrial, mas só que lá em Cubatão, meio longe de casa.

Fui pra Cubatão, fiquei lá quase um ano trabalhando lá na gestão do restaurante lá, eram 40 funcionários, tinha a nutricionista, o chefe de cozinha, os cozinheiros, auxiliares. Eram três turnos de trabalho e eu cuidava dessa parte lá. Em 1992 eu sofri um acidente, eu tomei um táxi pra ir pra casa, o táxi bateu e eu perdi a vista direita. Eu não enxergo da vista direita. Fiquei afastado do trabalho uns três ou quatro meses. Hoje eu sou muito grato às pessoas dessa empresa. Quando eu estava na Igaratiba eu retomei, fui pra outra faculdade também na área de Ciências Contábeis. Eu estava indo bem, já tava há um ano, quase dois anos na faculdade, tranquilo, eu sofri o acidente. Acidente eu fiquei três ou quatro meses afastado por problemas médicos, parei a faculdade novamente. E assim foi até 2004. 2004 eu voltei pra faculdade e eu concluí o curso em 2006. Eu fiz a parte de administração de empresas.

Em meados de 93, numa festa de amigos eu conheci a Isabel, que é a minha antiga esposa. Pouco depois começamos a namorar, namoramos por dois anos, em 95 nós casamos e 98 ela teve um filho, meu filho Gabriel. Eu adoro, amo de paixão meu filhote, hoje tá com 16 anos de idade. Fui casado por dez anos, os problemas de casamento, separamos, ela segue a vida dela, eu sigo a minha, mas deixou nosso filho que é lindo. Atualmente eu trabalho com o meu irmão, nós temos uma empresa de comércio exterior. A gente montou essa empresa e trabalha nela, sobrevive dela. Não somos ricos, não temos dinheiro, mas ela nos dá sustento. Passamos por dificuldades que todo empresário passa hoje, mas a gente sobrevive dela.

Eu acompanho o Criança Esperança praticamente desde a concepção dele lá. Por ser um projeto que cuida de crianças e eu gosto de criança, eu adoro a inocência da criança, eu sempre ajudei. Eu me identifiquei ali com aquele projeto desde esse início. Eu sempre fiz doações nesse projeto. Muitos anos que faço doações, uns 20 anos no mínimo. No mínimo eu conheço o projeto e me identifico com ele. Eu sempre acreditei na empresa TV Globo, eu tenho a seguinte impressão, por eu ter sempre trabalhado no meio empresarial, o que significa a arrecadação do Criança Esperança pra uma empresa como a Globo? Não significa nada, é um dinheiro pequeno pra eles, pelo volume que eles trabalham. Então eu sempre acreditei que aquilo era empregado sim pras crianças. Por volta 2005, 2006, eu não me recordo exatamente, foi nessa época, eu ouvi alguns boatos que os valores ali arrecadados, parte desses valores ia pra pagar os shows que eram feitos, o cachê dos atores, cantores e bandas que iam lá e as despesas que a Globo tinha em promover o evento. O que sobrava era pras crianças. Isso me revoltou. Isso eu falei: “Eu não acredito numa coisa dessas”.

Eu parei. Parei, afastei-me do projeto até começo desse ano aqui, quando eu recebi um e-mail da TV Globo, um e-mail que eles mandam pra milhões de pessoas, o que eu achava do projeto. A hora que eu vi “O que você acha do projeto Criança Esperança?” eu falei: “Esse eu vou responder”. E falei aquilo que eu achava e essas coisas que eu estou comentando com vocês, que achava que não era justo eu fazer uma contribuição pra um projeto com a intenção de que isso chegasse a criança, isso fosse desviado pra outras coisas. O pessoal da TV Globo entrou em contato comigo pra ver se eu queria participar, se eu queria conhecer melhor o projeto. Eu como sempre gosto de desafios, falei: “Tudo bem”. Eu voltei a acreditar no projeto a partir deste ano aqui. Não lembro o nome da pessoa na Globo lá que passou o e-mail pra mim dizendo que tinha interesse em conversar um pouco comigo, fazer uma entrevista. Eu achei que fosse ali meia dúzia de perguntas ou me passar alguma coisa do projeto, eu falei: “Não tem problema. Participo sim”.

Ela disse que mandaria lá duas pessoas pra fazerem isso comigo. O pessoal ligou pra mim marcando o dia e hora pra ir lá, foram, olharam o escritório onde eu trabalho, marcaram dia 17 de junho pra ir lá com uma equipe pra fazer a filmagem da minha entrevista. Nossa, foi aquele monte de gente, fiquei assustado, a gente não está acostumado com isso. Fizeram lá a gravação e me apresentaram uma pessoa que, nessa época que eu fiz as doações foi beneficiada. Eu conheci a Jaqueline. Da minha parte, é o que eu falo, não foi dinheiro que eu doei e sim carinho. Carinho em querer ajudar uma criança. Como eu falei no início aqui, eu fui uma criança que tive que batalhar, eu tive que correr atrás. Aquilo me emocionou, deixa-me orgulhoso de eu ter participado na vida de alguém, que nem ela contou pra mim, não só ela como outros amigos que foram criados juntos lá com ela e receberam esse benefício.

Hoje eu penso assim, se eu puder fazer uma criança brincar mais, ser mais saudável e crescer um adulto responsável, o que eu puder ajudar eu ajudo. Você tira a criança da rua, você dá educação que é o princípio pra que a gente cresça mesmo, o Brasil cresça de verdade. Enquanto os nossos governantes não olharem pra isso infelizmente nós não vamos sair da mesmice. A criança tem que ter educação. O jovem tem que ter um destino, ele tem que saber que a hora que ele estudar, a hora que ele estiver lá com os seus 18, 20 anos, 25 anos ele tem que ter uma profissão, ele tem que estar preparado pro mercado de trabalho. Mas não basta só ele ter o canudo, ele tem que ter chance. Eu vejo o projeto dessa maneira, ele procura uma chance pra aquela criança.

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